Começo pelo humor ou pelo gosto de associar ideias que, primeiro, se afiguram inconciliáveis e, portanto, distantes, dando, depois, lugar a uma transição repentina que defrauda a expectativa inicial e nos prepara para uma diferente percepção dessas mesmas ideias. E faço-o pelo modo como Rui Melo invoca, no título desta sua nova exposição, o duplo sentido de concreto, parodiando o significado comum do termo (real, palpável, sólido, objectivo) com o que ele tomou nas artes plásticas, por via do concretismo, ou seja, o de materialização visual de conceitos intelectuais através de formas visuais em movimento, pondo de lado a representação figurativa do real. Desde logo pelo salutar princípio de que a pintura também pode reflectir a vocação lúdica de desconstruir o que parece comummente aceite. E depois por entender que leva mais longe o jogo de baralhar incertezas, arquitectando um itinerário interior que plasma momentos particulares, indexados por vezes a cenários naturais, onde os gestos, os movimentos, as pequenas notas cromáticas narram (inclusive pelo modo caligráfico dos detalhes) múltiplos fluxos e refluxos – líquidos, magmáticos, aéreos – que sustêm um trajecto de breves mas intensos e luminosos instantes.
Servindo-se de uma paleta concisa e eficaz, que se expande radialmente num apuramento lúdico e lírico, Rui Melo evidencia habilidade para contrabalançar o estático e o dinâmico, através de uma gramática pessoal que particulariza paisagens e pontos de vistas, envolvendo-os numa iluminação encenada que conduz o olhar de quem vê até às bordas do abismo ou daquilo que fica, qual trecho emotivo, a percutir dentro do espectador. E o gravitar dessas incertas pegadas e dessas inquietações amplifica-se nas obras onde o branco se multiplica e expande, como se almejasse uma espécie de absoluto.
Os materiais (suportes e tintas) são, aqui, indissociáveis desse labor de exploração do inesperado, configurando um assombro afim do depois do derrame, quando ao excesso magmático sucede a tranquila e etérea suavidade do azul. Atente-se no cuidado com que em qualquer das obras se ambiciona o precário equilíbrio da tensão. Tensão entre o que se expande e o que se contrai, entre o excesso e a contenção. Duplicidade e equilíbrio sustentam, pois, uma espécie de mapeamento da leveza. Essa mesma que alguns experienciam diante das paisagens insulares, com as suas nuances próprias, num cúmulo de manchas e tons que se condensam e sedimentam, apurando um estratigrama íntimo que Rui Melo parece transcrever para os seus quadros, cristalizando neles um pouco do fulgor que nos oferece o mundo natural. Como se buscasse a ciência última de todas as coisas, que transbordam e vivificam, deixando testemunho individual de um instante, de um pormenor.